sábado, 2 de agosto de 2008

Graça Cretton, Os passos da paixão





















A fala e o corpo

Porque ainda não te amei
com o amor do corpo,
eu escrevo, eu falo.

Falo até demais,
mas, se me tocares,
te prometo: eu calo.

Já te escrevi um conto,
dez poemas,
estes versos traço,

Porque és único!
mas juro que este é o último
que te faço.

Brinco com as línguas,
rimo, faço graça,
crio meus compassos.

Misturo meus versos
às tuas palavras,
falas entrelaço.

É este o meu jeito
de sonhar que estamos
confundindo os traços.

E acasalados
nossos versos crescem
ficam fortes os laços.

Tecendo a manhã
que nem João Cabral,
Penélope de fato.

Quantas trovas
terei de fazer
pra merecer um abraço?

Apressemo-nos,
que a vida é breve
e o tempo anda escasso.

No limite
entre a fala e o corpo,
habita o falo.




Princesa

Passei tempo adormecida,
bela princesa encantada,
agora fico acordada.

Vou tecendo meus poemas
e acho que vale a pena
levar deste jeito a vida.

De tanto fazer poesia
me tornei mestre em poética,
assim deixei de ser cética.

Após a explosão trágica,
brota a emoção lírica
na escritura mágica.

Um dia fui paralítica,
hoje não sou mais dramática,
tenho orgulho de mim mesma.


Orquídea

Estava o livro pronto
dentro de mim,
bastava polir as pedras
do jardim.

Que violetas e dálias
de mil cores
brotam da alma lavada
pelas dores?

Delicadas são as pétalas
entre as coxas,
vislumbro uma orquídea rara
amarela e roxa.

E tão persistente exala
aroma de sua boca
que o pássaro se cala
e ela fala.


In-verso

João Cabral aconselha
do feijão tirar a pedra,
não do poema.

Comigo deu-se o inverso:
jogando fora os pregos,
fiz o verso.

Conservei algumas pedras,
o resto são flores
e amores.

Pois expelidos os ferros,
flui mavioso jardim
de mim.

Herança

De Cecília
herdo o tom
e a rima.

De Cabral
pedra seca,
o quarteto.

De meu pai
todo o tempo
o exemplo.

De mamãe
os segredos
e os medos.

Que herdo
de mim mesma?
Que herança deixo?

De mim herdo o passado
no presente.

A poesia – seixo –
lanço à corrente
do futuro.

In Os passos da Paixão e outros poemas. Rio de Janeiro: Galo Branco, 2006. Na capa, detalhe de “O beijo”, de Gustav Limt. Prefácio de Roberto Acízelo de Souza. 86 p.
www.edicoesgalobranco.com.br

Graça Cretton, poeta, mestra e e doutora em Teoria Literária e Literatura Brasileira, fez trabalho memorável como professora no Instituto de Educação Prof. Ismael Coutinho, em Niterói, e, a seguir, na Faculdade de Letras da UFRJ, no Rio de Janeiro, a partir, respectivamente, da “Oficina Literária para alunos de 2º grau” e do “Laboratório de Criação Literária”.

Em muitos já terá despertado o prazer de ler e de escrever. Salve!

4 comentários:

Anônimo disse...

Anibal,

Adorei a sua escolha dos poemas.Não sou Doutora em Literatura Brasileira, só em Teoria Literária pela UFRJ. Muito obrigada pela sua gentileza. Abraços,
Graça Cretton

Eliana BR disse...

Belos poemas.
Graça é um dos casos de aliança feliz entre a teoria e pratica poética.
Abraços,
Eliana Bueno

Karla disse...

Fui aluna da querida mestra Graça Cretton em um curso optativo na UFRJ, em, talvez, 1990; pouco contato, mas suficiente para jamais tê-la esquecido! Gostei imensamente de seus versos, postados aqui. Deixo um abraço para ela e agradeço a você por ter sido o canal desse feliz reencontro. Karla Soares Antunes (www.klara-rakal.blogspot.com)

Dalva Nascimento disse...

Adorei os poemas...