sábado, 31 de maio de 2008

O credo de um poeta, de Jorge Luís Borges

Tirei prazer de muitas coisas – de nadar, de escrever, de contemplar um nascer do sol ou um crepúsculo, de estar apaixonado e assim por diante. Mas, de algum modo, o fato central de minha vida foi a existência das palavras e a possibilidade de tecê-las em poesia. A princípio, certamente, eu era apenas um leitor. Porém acho que a felicidade de um leitor está além da de um escritor, pois o leitor não precisa experimentar aflição nem ansiedade: seu negócio é simplesmente a felicidade. E a felicidade, quando se é leitor, é freqüente. Assim, antes de passar a discorrer sobre minha produção literária, gostaria de dizer umas palavras a respeito dos livros que foram importantes para mim. Sei que essa lista abundará em omissões, tal como todas as listas. Aliás, o perigo de compor uma lista é que as omissões sobressaem e as pessoas nos tomam por insensível.

Falei alguns momentos atrás das Mil e um noites de Burton. Na verdade, quando penso nas Mil e uma noites não penso naqueles vários volumes, pesados e pedantes (ou antes empolados), mas nas que posso chamar as verdadeiras Mil e uma noitesas Mil e uma noites de Galland e, talvez, de Edward Willliam Lane.

In “O credo de um poeta”, Esse ofício do verso, tradução de José Marcos Macedo. S. Paulo: Cia. das Letras, 2000, p. 106.

O pequeno e belo livro Esse Ofício do Verso, organizado por Calin-Andrei Mihailescu, traz os textos de palestras de Jorge Luís Borges feitas em inglês na Universidade de Harvard, em 1967-1968. Ler todo o livro é conhecer a “leveza e elegância” com que um dos maiores escritores contemporâneos trata de temas ligadas à escritura e à leitura, aos “enigmas da língua e da literatura”. No capítulo O credo de um poeta, através das referências que faz aos livros mais importantes em sua formação, cara leitora, teremos um roteiro excepcional para leituras que trazem felicidade. Sobre as traduções de As mil e uma noites, devemos lembrar que já saíram, pela Globo, os primeiros volumes da primeira tradução brasileira feita diretamente do árabe, do professor da USP, Mamede Jarouche, que inclui manuscritos nem sempre incluídos nas traduções anteriores.

Os livros em Olinda no século XIX, por Gilberto Freyre



Durante toda a primeira metade do século XIX Olinda foi um centro não só de ensino jurídico como de produção intelectual. Fabricou bacharéis que se tornaram grandes do Império e imprimiu livros – originais ou traduzidos do francês, do inglês e do espanhol pelos seus doutores – que tiveram influência sobre a política e a vida do Brasil inteiro, honrando ao mesmo tempo os começos da arte tipográfica em nosso país.

É assim, raro leitor, que inicia o capítulo "Os livros" da obra Olinda – 2º Guia prático, histórico e sentimental de cidade brasileira (o primeiro foi sobre Recife). Foi reeditado recentemente pela Global. Aqui utilizamos a 4a. edição, de 1968, lançada pela José Olympio, que traz ilustrações de Manoel Bandeira, homônimo do também pernambucano Manuel Bandeira, o poeta de Pasárgada. Acima a imagem que fez da Rua do Amparo, “ladeira sossegada e ilustre que o turista deve subir bem devagar – onde na primeira metade do século XIX, no número 22, se instalou a oficina tipográfica de Pinheiro, Faria & Cia., que imprimiu livros que, segundo Gilberto Freyre, se espalharam por todo o Império.

Segundo os editores da JO, Gilberto Freyre inaugurou um “tipo de guia hoje largamente utilizado nos Estados Unidos e em numerosos países da Europa, tornando-se precursor, nesse gênero de literatura, do toque impressionista que transcende os limites convencionais e rotineiros propriamente ditos na apresentação de uma cidade”.

Aceitemos isto. Gilberto Freyre foi realmente um gênio e o conjunto de sua obra é admirável.

Para ler o texto completo, acesse o álbum com a cópia das páginas em
http://picasaweb.google.com.br/anibalbraganca/GilbertoFreyreOsLivrosEmOlindaPernambucoNoSCuloXIX/photo#5206683164630786450

Conheça também os Arquivos do E-grupo Cultura Letrada:






quinta-feira, 29 de maio de 2008

La intimidad como espetáculo, Paula Sibilia

La autora analiza las claves con las que se presenta la exhibición de la intimidad en la escena contemporánea y los diversos modos que asume el yo de quienes deciden abandonar el anonimato para lanzarse al dominio del espacio público a través de blogs, fotologs, webcams y sitios como YouTube y FaceBook. A partir de la hipótesis de que todos estos fenómenos representan un momento cultural de transición que anuncia una verdadera mutación en las subjetividades, la autora analiza el distanciamiento que se ha producido respecto de las formas típicamente modernas de ser y estar en el mundo, y de aquellos instrumentos que solían usarse para la construcción de sí mismo. Este libro pone en relación las formas actuales de construir la subjetividad con otras modalidades de relatos de sí, que van desde el diario íntimo hasta el psicoanálisis, pasando por todas las formas de introspección.
Fonte: Sítio da Fondo de Cultura Económica, Argentina http://www.fce.com.ar/

Paula Sibilia, nascida na Argentina, professora do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense, é autora também do livro O homem pós-orgânico. Corpo, subjetividade e tecnologias digitais, publicada pela Relume Dumará em 2002. Em breve o livro La intimidad como espetáculo será lançado em português, no Brasil, pela Editora Nova Fronteira.

Para mais informações: http://www.fce.com.ar/ar/libros/detalleslibro.asp?IDL=6311

terça-feira, 27 de maio de 2008

Maio/1968-Maio/2008 - 40 anos de ousadia na tela do Cine Arte UFF

O longa metragem "Como vai, vai bem?", realizado em 1968, pelo Grupo Câmara, será exibido na sexta-feira, 30/5, às 19h30, no Cine Arte UFF, na Rua Miguel de Frias, em Niterói, com entrada franca. Após a sessão, os atores Paulo José e Flávio Migliaccio, com brilhante atuação no filme, estão convidados para participar do debate, que também contará com a presença de alguns dos seus realizadores - Daniel Chutorianscy, Alberto Salvá, Estrella Bohadana, além do professor de cinema da UFF José Carlos Monteiro.

A apresentação faz parte das comemorações dos 40 anos do Cine Arte UFF. 1968: ano da morte de Edson Luiz, da Passeata dos Cem Mil na Cinelândia, do famigerado AI-5, da Primavera de Praga, da morte de Martin Luther King, da revolução de costumes, movida a partir das barricadas de Paris [e, me permito acrescentar, do lançamento de O Estado e a Revolução, de Lênin, pela Diálogo, de Niterói, no mês de seu primeiro aniversário]:

"Foi também o ano - lembra Chutorianscy - em que alguns jovens sonhadores decidiram fazer cinema, desafiando a ditadura militar. Foi um filme construído coletivamente. Participei escrevendo roteiros e dirigindo alguns dos oito episódios, naquela momento mágico. Tinha 18 anos e muitos sonhos. Mas ainda continuamos a sonhar com o dia em que poderemos perguntar - Como vai, vai bem? - e ouviremos como resposta, Sim, tudo vai bem". O tema do debate - "De Maio de 1968 a Maio de 2008" - sugere um balanço e uma reflexão, sobre os sonhos e legados herdados pelas novas gerações.


Fonte: Agência Petroleira de Notícias http://www.apn.org.br/

Vamos lá, raro leitor?

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Pelos Jardins Boboli, de Rui de Oliveira


Nestes tempos, mais do que nunca o livro continua sendo um elemento de afirmação da individualidade. Ler de forma consciente e participativa a palavra e a imagem constitui, acima de tudo, um ato de resistência cultural e social.

A palavra é o espírito, e a imagem, seu corpo. Portanto, palavra (espírito) e imagem (corpo) são indissociáveis. Atualmente é impossível conceber um livro, sobretudo para crianças e jovens, sem considerar seus aspectos formais e até mesmo táteis.

O programador visual ou o ilustrador devem ter um apurado conhecimento de projeto gráfico para que possam transformar o livro também em um objeto físico e sensorial, de contemplação estética.

No século XX, grandes movimentos artísticos influenciaram diretamente as artes gráficas, como o cubismo, o dadaísmo, o construtivismo russo e o neoplasticismo. Eles ofereceram ao homem uma nova maneira de pensar visualmente e de solucionar os espaços de forma harmoniosa. Como dizia o grande designer e educador húngaro Moholy-Nagy, “o progresso da composição tipográfica provém não tanto da nova forma quanto de uma nova organização de novos caracteres, mas sim da eficácia óptica da nova página”.

A atenção aos aspectos plásticos de um livro não se justifica somente no auxílio à competição e à concorrência, como se o livro fosse um produto de prateleira. Tal esmero com o gráfico é para inserir a eternidade do livro na contemporaneidade – esta é a sua função maior. O legado artístico que movimentos nos deixaram é o salvo-conduto para essa inserção.
(p. 45-6)

Este é um trecho do belo livro Pelos Jardins Boboli, Reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens, de Rui de Oliveira, artista e designer gráfico, baseado em sua tese de doutorado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).

Excelente contribuição ao universo da produção editorial brasileira, editada pela Nova Fronteira, com design e diagramação de Ana Sofia Mariz e introdução de Ana Maria Machado.

Sobre os Jardins Boboli:

No século XVI, os jardins palacianos são elevados à categoria de grande arte. No caso dos Jardins Boboli, situados na parte posterior do Palácio Pitti, em Florença, vários arquitetos concorreram para sua beleza e encanto, destacando-se artistas como Giovanni Bologna e Bernardo Buontalenti. O caminhar pelo jardim se torna uma recreação para o espírito, e várias surpresas e esguichos de água acontecem ao longo das grutas, dos chafarizes e repuxos. É interessante notar que no jardim maneirista pouco atenção é dada às flores. O objetivo maior do visitante era direcionado para o espetáculo que o jardim oferecia, como se estivesse assistindo a uma série de intermezzi, isto é, peças destinadas unicamente ao exercício da arte e do maravilhamento.
Nota, p. 75.

Para saber mais:
www.ruideoliveira.com.br
www.anasofia.net
www.novafronteira.com.br

sábado, 24 de maio de 2008

Mais uma nota muito triste: faleceu Robero Freire, autor de Cléo e Daniel

Fui procurar, rara leitora, quando li, consternado, a notícia da morte de Roberto Freire, o meu exemplar de Cléo e Daniel. Queria retomar do texto alguma das emoções profundas que tive ao ler esse belo e triste livro. Encontrei o Coiote, cuja dedicatória me fez retornar aos anos 1970-1980, quando estivemos próximos: “Pro Aníbal, amigo e companheiro de minhas viagens, mais esta que tem jeito de ‘point of no return'. E o abração amigo do ... Niterói, 27/8/86”. Creio que ele aludia ao mergulho no romance, pois que, depois do Cléo e Daniel - um grande sucesso na edição Brasiliense, lembro da capa que eu mais gostava, preta com uma margarida num canto - se dedicou a ensaios e artigos que seriam as bases da somaterapia, a qual criou, segundo penso, a partir de Wilhelm Reich, da gestalt e do anarquismo.

Era, especialmente, um artista, múltiplo. Mas também um médico psicoterapeuta. Com sua coragem, sensibilidade e generosidade fez lançamentos, palestras e workshops na Pasárgada, na Sala Manuel Bandeira, em Niterói, e lá criou um grupo, o qual acompanhou e fez crescer, anarquicamente. Fui beneficiário, direta e indiretamente, desse belo trabalho.

Roberto Freire deixou uma forte presença em muitas áreas e em inúmeras pessoas. Além de discípulos, uma obra de transformação, talvez deslocada num mundo de hoje, onde interioridade e crítica não são cultivadas, a não ser por poucos.

Se não leu, rara leitora, tem mais um motivo de alegria por cultivar a leitura. Busque num sebo um dos livros de Roberto. E viaje com ele nas suas loucuras e iluminações. Sempre chegaremos dessa viagem menos duros, menos certos e mais ricos.

Roberto Freire morreu ontem, sexta-feira, dia 23, com 81 anos, em S. Paulo.

Como epígrafe do livro Coiote, Roberto Freire inseriu esta “mensagem”:


Poetas de amanhã
Walt Whitman
(de Folhas de Relva, tradução de Geir Campos)

Poetas de amanhã: arautos, músicos
cantores de amanhã!
Não é dia de eu me justificar
e dizer ao que vim;
mas vocês, de uma nova geração,
atlética, telúrica, nativa,
maior que qualquer outra conhecida antes
– levantem-se: pois têm de me justificar!

Eu faço apenas escrever
uma ou duas palavras
indicando o futuro!
faço tocar a roda para a frente
apenas um momento
a volto para a sombra
correndo.

Eu sou um homem que, vagando
a esmo, sem de todo parar,
casualmente passa a vista por vocês
e logo desvia o rosto,
deixando assim por conta de vocês
conceituá-lo e prová-lo,
a esperar de vocês
as coisas mais importantes.

Pergunto, raro leitor, quem serão esses poetas, hoje? Certamente estão por aí... onde?

Nova ortografia. Agitações no mundo da lusofonia... e prêmio!

Enquanto no Brasil o governo encaminha firmemente à sociedade, com eficácia e consistência, as mudanças na ortografia decorrentes da assinatura do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em Portugal, rara leitora, o mar está encrespado com os ventos provocados por alguns intelectuais e a preocupação dos editores; estão contra o acordo, já aprovado oficialmente.

Talvez mais interesses econômicos que a defesa da tradição dominem o debate, que se estende também para outros países lusófonos.

De minha parte torço para que se tenha a grafia comum, mesmo que com o oferecimento de opções de flexibilização em alguns poucos casos, em respeito à tradição, como está previsto.

Creio que todos tenham a ganhar, se for essa a questão. Mais que isso é saber que as normas ortográficas são mutáveis, basta olhar pra trás e consultar livros escritos no nosso idioma décadas ou séculos anteriores.

Para saber mais, sugiro que visitem a Revista Idiossincrasia do Portal Literal e leiam o artigo de Bruno Dorigatti: “A ortografia vai mudar. Uma conquista para a língua portuguesa, ganho ou prejuízo para o mercado editorial, mero jogo de interesses? Crescem as dúvidas e polêmica em torno do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, que mostra bem o “estado atual das questões”, com linques para documentos de interesse.
http://portalliteral.terra.com.br/Literal/calandra.nsf/0/CE96BBD44A77E2C50325744A00665F46?opendocument&pub=T&proj=Literal&sec=Reportagens

Como experiência pessoal, vivida especialmente nas décadas de 1960-1970, registro que, quando era livreiro, lamentei muitas vezes não poder indicar bons livros para crianças às professoras e pais por causa da grafia portuguesa, diferente da ensinada na escola brasileira. Alguns poucos se animavam a comprar e a ler para seus filhos os maravilhosos livros de Sophia de Mello Brayner Andresen!

Aproveito para recomendar também outro artigo do Bruno Dorigatti sobre o Prêmio Leya (epa! os espanhóis estão aí, gente!) para romance inédito em língua portuguesa no valor de 100 mil euros!
http://portalliteral.terra.com.br/Literal/calandra.nsf/0/E2B5944F5642100803257410008298B3?opendocument&pub=T&proj=Literal&sec=Reportagens

sexta-feira, 23 de maio de 2008

A vida política brasileira agora mais pobre: morreu Jéfferson Peres

Rara leitora, é com muito pesar que registro a morte do senador amazonense Jéfferson Peres, advogado e ex-professor da Universidade do Amazonas. Embora só o conhecesse através da mídia, via nele parte da trinca ética do Senado, ao lado de Eduardo Suplicy (S. Paulo) e Pedro Simon (Rio Grande do Sul). Certamente haverá outros homens de bem no Senado brasileiro... mas será necessário uma lupa para os encontrar. A política brasileira fica mais pobre, paupérrima de ética que já é. O retorno de Marina Silva ao Senado poderá compensar essa perda? Uma incógnita. Depois de Artur da Távola, Jéfferson Peres. Tristeza.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Portugal na Poesia Sempre, revista da Biblioteca Nacional

Arte poética
Rosa Alice Branco (1950- )

Gostaria de começar com uma pergunta
ou então com o simples facto
das rosas que daqui se vêem
entrarem no poema.

O que é então o poema?
Um tecido de orifícios por onde entra o corpo
sentado à mesa e o modo
como as rosas me espreitam da janela?

Lá fora um jardineiro trabalha,
uma criança corre, uma gota de orvalho
acaba de evaporar-se e a humidade do ar
não entra no poema.

Amanhã estará murcha aquela rosa:
poderá escolher o epitáfio, a mão que a sepulte
e depois entrar num canteiro do poema,
enquanto um botão abre em verso livre
lá fora onde pulsa o rumor do dia.

O que são as rosas dentro e fora
do poema? Onde estou eu no verso em que
a criança se atirou ao chão cansada de correr?
E são horas do almoço do jardineiro!
Como se fosse indiferente a gota de orvalho
ter ou não entrado no poema!

Os poetas esquecidos
Luís Filipe Castro Mendes (1950- )

Ficaram pelo caminho.
Não lhes foi sua a idade.
São nota de rodapé
para a posteridade.

Ficaram pelo caminho
na agonia esquecida
de que o escuro temor
lhes devorasse a vida.

Ficaram pelo caminho.
Fizeram o seu tempo.
Na morte sem abrigo
e que tem assento.

Ilesos da glória
que a fama não deu,
sem cruz nem vitória,
bem longe do céu

Da história literária,
gazeta ou Parnaso,
têm morte diária
ou leitores de acaso.


O poema ensina a cair
Luiza Neto Jorge (1939-1989)

O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede
até à queda vinda
da lenta volúpia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma.


Lição de Buda
Casimiro de Brito (1938- )

Não creias em nada
Não creias em nada seja qual for o livro
Que tenhas lido a pedra
Onde esteja gravado
Não creias em nada seja quem for
Que te tenha dito

Não creias em nada
Ainda que eu próprio o tenha dito
Não creias em nada
A não ser que a tua mente a tua razão
Em vazio desfeita
Tenha dissolvido o sim e o não

Não creias em nada
Sequer no vaso onde se fundem a noite
As estrelas e as águas do mar
Que nada são nada sabem
Porque não há nada
Que se possa segurar


Princípios
Nuno Júdice (1949- )

Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.

Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só o que é preciso é saber
que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.

O primeiro soneto do Português Errante
Manuel Alegre (1936- )

Eu sou o solitário o estrangeirado
o que tem uma pátria que já foi
e o que não é. Eu so o exilado
de um país que não há e que me dói.

Sou o ausente mesmo se presente
o sedentário que partiu em viagem
eu sou o inconformado o renitente
o que ficando fica de passagem.

Eu sou o o que pertence a um só lugar
perdido como o grego em outra ilíada
Eu sou este partir este ficar.

E a nau que me levou não voltará.
Eu sou talvez o último lusíada
em demanda do porto que não há.


Estes são, rara leitora, alguns do poemas que compõem parte do número 26 da revista Poesia Sempre dedicada a Portugal, publicada recentemente, embora com data de 2007. Seu editor é o poeta Marco Lucchesi. Belo trabalho de conteúdo e forma, esta devida ao projeto original de Victor Burton, adapatado por Adriana Moreno. Vale lembrar que ainda há neste número um belo ensaio sobre o cineasta Manoel de Oliveira, uma “Crônica de vislumbres” sobre o pintor Antonio Bandeira, com reproduções de algumas de suas obras, e mais.
Uma publicação da Fundação Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro, presidida em boa hora por Muniz Sodré. Visite www.bn.br

terça-feira, 20 de maio de 2008

Para uma avaliação das políticas culturais municipais: o caso de Niterói, por Rafael Nacif de Toledo Piza

Diz-se que a auto-estima da população niteroiense, em mais de dez anos de gestão de um mesmo partido na administração municipal – desde 1989, com a eleição de Jorge Roberto Silveira e o subseqüente mandato de João Sampaio (1993-1996), seguido novamente por Jorge Roberto (1997-2000) –, elevou-se a níveis mais próximos da dignidade de um município que já foi capital da Província do Rio de Janeiro, em 1835, e capital do Estado até 1975, motivo pelo qual se espalham pela urbe construções suntuosas, palácios que abrigaram instâncias de poder político com expressão nacional, como o Museu do Ingá e o Palácio Araribóia, por exemplo. Além disso, é importante lembrar que Niterói também sedia uma universidade federal.

Essa percepção de elevação da auto-estima é corroborada pela visibilidade que o município adquiriu a partir de uma pesquisa que revelou sua excelência em termos de qualidade de vida. (...)

Um dos antecedentes da criação desse ambiente de prosperidade foi certamente a campanha desenvolvida pelo secretário de cultura Aníbal Bragança logo no início do primeiro mandato de Jorge Roberto Silveira. Essa campanha espalhou adesivos e outdoors pela cidade, que exclamavam o orgulho de seus habitantes, uma ação de relações públicas que contou com a criação de um logotipo para a gestão que acabara de assumir. Criou uma identificação muito forte entre os moradores e a administração pública municipal, até porque esta contava, e ainda conta, com grande prestígio e base política. (...)

A Secretaria Municipal de Cultura de Niterói, de 1989 a 1999, desenvolveu sobretudo ações de preservação do patrimônio na cidade. No primeiro mandato (1989-1992), Jorge Roberto Silveira nomeou Aníbal Bragança como secretário de cultura e presidente interino da Fundação Niterói de Arte (Funiarte) – (...)

Entre os projetos previstos pelo secretário estavam a realização de um seminário de políticas culturais, por meio do qual se pretendia discutir com os segmentos da área e demais interessados um projeto cultural para a cidade, o que não ocorreu, embora tenha sido promovido um seminário sobre preservação e memória no Teatro da Universidade Federal Fluminense (UFF).

(...)
Na gestão de Bragança, desenvolveu-se a criação do Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural (CMPPC) (...). O Conselho, cujo projeto de lei foi encaminhado à Câmara pelo então vereador Marcos Gomes, foi lançado com uma campanha de amor à cidade, que contava com logomarcas e slogans como “Niterói, eu adoro”, “Niterói, é hora de preservar” e “Niterói, ficando mais jovem”. Essa iniciativa contribuiu significativamente para a recuperação da auto-estima da população. A criação de áreas de preservação ambiental urbana, espécie de corredor cultural, também foi um projeto iniciado nessa gestão.

Com a saída do secretário por divergências internas, Ítalo Campofiorio, membro do CMPPC, assumiu o cargo, mantendo-o até a entrada de Marcos Gomes no segundo mandato de Jorge Roberto Silveira. As principais ações da gestão de Ítalo refletem uma continuidade do que foi iniciado na gestão de Anibal, avançando ns questões de preservação do patrimônio.


In Políticas públicas de cultura do Estado do Rio de Janeiro. 2003-2005, organizado por Cleisse Campos, Guilherme Lemos e Lia Calabre, publicado pela Sirius, Rio de Janeiro, em 2007, p. 181-196.

É oportuna, neste momento em que se recria o Conselho Municipal de Cultura de Niterói, a leitura de todo o artigo, que me foi, ontem, apresentado por Almir Miranda, aluno do prof. Wagner Morgan, que recomendou sua leitura no curso de Produção Cultural, do IACS-UFF.

A divulgação aqui do excerto acima, rara leitora, não tem uma justificativa. Explica-se apenas se lembrarmos o Eclesiastes: “Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade.”

segunda-feira, 19 de maio de 2008

A vida na estante, de Ruy Castro

Às vezes, sou levado a dar palestras em livrarias e bibliotecas, dois lugares a salvo de gente suspeita, como punguistas, terroristas, políticos etc. O único risco que se corre nelas é abrir um livro ao acaso e deparar com uma informação ou idéia que nos transforma a vida para sempre, para o bem ou para o mal.

Numa livraria, há tempos, alguém na platéia perguntou o que eu gostaria de ser quando crescesse. A pergunta era de brincadeira, mas respondi a sério: um dia, gostaria de deixar de ser escritor ou eventual jornalista e reverter à condição de apenas, e com muita honra, leitor.

Afinal, venho me preparando para isso há décadas, desde o dia em que cruzei as pernas dentro das calças curtas e abri o primeiro livro. Milhares de livros depois, descobri que essa preparação incluiu plantar estantes em todos os endereços em que morei, sempre achando que seriam definitivos. E todas essas estantes foram deixadas para trás, na esperança de que o futuro morador as usasse para guardar livros - quaisquer livros -, e não bibelôs inúteis ou troféus conquistados em gincanas bancárias.

Outro sintoma dessa obsessão é procurar os sebos em cada cidade que visito. Se tenho duas horas livres, é neles que tento gastá-las. Até há pouco, eu ainda perguntava no hotel onde ficavam os sebos locais. Agora não preciso mais. Basta chegar à janela e apontar o nariz para a cidade lá em baixo. O cheiro de mofo e dos livros empoeirados me assola as narinas, e sei logo para onde devo ir. Ou então, já na rua, um ácaro me sopra ao ouvido que há um lindo sebo escondido numa galeria defronte.

Enfim, são planos. Do alto das estantes, um mundo de biografias, livros de história e romances clássicos, de "Elzira, a Morta Virgem" a "O Grande Industrial", me contempla. Gigi, eu chego lá.

In Folha de São Paulo, Sâo Paulo, 17 de maio de 2008


São os colunistas, rara leitora, que mais me fazem sentir falta da assinatura da Folha ou de O Globo. Teimo em não aceitar as ofertas de renovação que chegam, sedutoras, mas quase desesperadas, à minha caixa postal eletrônica, pela lembrança da pilha de jornais não lidos por falta de tempo, diante da rotina de leituras de livros, artigos e da Internet, além dos
compromissos do dia-a-dia, pois que todos precisamos trabalhar também fora das representações do escrito. Mas, assumo, sinto um vazio enorme, especialmente aos domingos, por não ter o jornal na soleira da porta, para ler antes ou depois do café da manhã.

Hoje, Hugo&Cândida brindaram seus amigos com a reprodução desta crônica de Ruy Castro, que repassamos a você, rara leitora. Por pouco não a assinei!

domingo, 18 de maio de 2008

Conselho Municipal de Cultura, de Niterói, renovado!

Chegou-me do atento amigo Almir Miranda da Silva, notícia da recriação do Conselho Municipal de Cultura de Niterói (que acaba com o anterior). Segundo ele, o “processo já esta adiantado e não foi divulgado”, mas acredita que “temos algum tempo ainda para participar e conhecer nossos representantes”.

E você, rara leitora, o que acha?

Para facilitar, repasso o que recebi de informações:

O Conselho tem a seguinte atribuições:

"Art. 2º - O Conselho Municipal de Cultura é um órgão coletivo com a participação do Poder Público e da sociedade civil, que auxilia na elaboração e execução da política cultural do Governo Municipal, e que se fundamenta no princípio da transparência e da democratização da gestão cultural constituindo-se em instância permanente de intervenção qualificada da sociedade civil na formação de políticas de cultura".

Na próximo encontro serão fundadas as seguintes Câmaras:

* Produtores Culturais
* Instituições de Ensino Superior
* Serviço de Rádiodifusão
* Setor empresarial cultural e equipamentos locais
* Movimentos Sociais
* Artes cênicas
* Artes plásticas
* Cinema e vídeo
* Dança
* Literatura
* Música

Mais informações

http://www.culturaniteroi.com.br/conselho/

Próxima reunião

03/06/08 – 18h - Teatro Popular de Niterói

Mesa esclarecedora e fundação das Câmaras Setoriais

1º momento:

Inscrição dos participantes por área de interesse. Cada participante deve inscrever-se na câmara setorial da qual fará parte por todo o processo eleitoral e somente nela terá direito a candidatura e a voto.

2º momento:

Formação da mesa esclarecedora composta por um membro da comissão eleitoral e conselheiros de cultura de outras cidades (a confirmar).

3º momento:

Após o encerramento da mesa, serão fundadas as Câmaras Setoriais que terão como membros os inscritos por área de interesse. É nas Câmaras que serão eleitos os conselheiros e seus suplentes nos dois próximos encontros. A eleição obedecerá às regras a serem divulgadas pela
comissão eleitoral na ocasião.

Agradeço a Almir e espero que o raro ou rara leitora possa contribuir nesse processo que é de interesse permanente dos cidadãos niteroienses e não apenas, claro, dos atuais governantes, que, aliás, aparentemente, estão avançando com essa nova proposta de Conselho! Participe.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

13 de maio de 2008, dois séculos de livros brasileiros


O Brasil até ao feliz dia 13 de maio de 1808 não conhecia o que era tipografia; foi necessário que a brilhante face do Príncipe Regente Nosso Senhor, bem como o refulgente sol, viesse vivificar este país, não só quanto à sua agricultura, comércio e indústria, mas também quanto às artes, e ciências, dissipando as trevas da ignorância, cujas negras, e medonhas nuvens cobriam todo o Brasil, e interceptavam as luzes da sabedoria. Assim, por decreto datado deste mesmo dia dos seus felizes anos, Sua Alteza Real foi servido mandar que se estabelecesse nesta Corte a Impressão Régia, para nela se imprimirem exclusivamente toda a legislação, e papéis diplomáticos, que emanarem de qualquer repartição do real serviço, e também todas, e quaisquer obras, concedendo a faculdade aos seus administradores para admitirem aprendizes de compositor, impressor, batedor, abridor, e demais ofícios que lhe sejam pertencentes. Este máximo benefício, que Sua Alteza Real outorgou ao Rio de Janeiro, é bem de esperar que se comunique à Bahia, e também às capitais das principais províncias do Brasil, visto o sistema liberal que o mesmo augusto senhor tem adotado a favor dos seus vassalos desta parte dos seus domínios, e que se imprimam na América Portuguesa obras muito interessantes, que, ou já compostas, jazem na poeira do esquecimento, e do desprezo, ou que para o futuro se hajam de compor, facilitados os meios de se darem à luz pelo prelo.

In Luiz Gonçalves dos Santos (Padre Perereca). Memórias para servir à História do Reino do Brasil, S. Paulo: Edusp; Belo Horizonte: Itatiaia, 1981 [1825], tomo I, p. 207.
Hoje, rara leitora, completam-se dois séculos da criação da primeira tipografia permanente e definitiva no Brasil, no dia do aniversário do Príncipe Regente D. João, criada pelo decreto acima reproduzido.
[Ver em A tipografia no Rio de Janeiro, de Paulo Berger, Rio de Janeiro, 1984.]
O fato mereceu registro entusiástico e justo do cronista da corte, o Padre Perereca.
Hoje nosso país alcançou maturidade em sua indústria editorial, que produz quantitativamente volume considerável de exemplares de livros, especialmente, escolares. Entretanto, talvez em decorrência da baixíssima escolaridade média do cidadão brasileiro e da ignominiosa desigualdade de renda que coloca nas margens da miséria a maior parte da população brasileira, para que haja uma pequena ilha de privilegiados que se destacam entre os mais ricos do mundo, o Brasil não é, lamentavelmente, um país de leitores. Ainda o será?
O que acha, rara leitora?

terça-feira, 13 de maio de 2008

Lima Barreto, 127 anos de nascimento

Lima Barreto a Antônio Noronha Santos

Rio, 3-4-1909

Querido Antônio,
Recebi um cartão teu e a tua carta. Tive grande satisfação em receber ambos, tanto mais que a última me trazia doces consolações. Eu não quero deixar o meu agradecimento aqui, pelo grande favor que me prestaste, porque o silêncio é, no caso, mais eloqüente do que as palavras de uso. Até hoje, não recebi carta alguma do Senhor Teixeira e não lhe escrevi também. A tua carta chegou-me aqui a 27 do mês próximo passado. Fizeste bem em lhe autorizar a imprimir o livro. Não tenho pretensão alguma de lucro com o Caminha. Além de saber que um primeiro livro tem fortuna arriscada, sabes muito bem o que penso sobre essa cousa de make money com livros. Decerto, se eu estivesse ai, em Paris, havia de guardar bem escondida a pretensão de ter um castelo com o produto das minhas obras; mas aqui, dentro do Brasil e da língua portuguesa, as minhas pretensões são mais razoáveis. Não quero acabar como Coelho Neto.
(...)
(p. 69)

*
Lima Barreto a A. M. Teixeira

Em 24 de abril de 1909
Amigo Senhor A. M. Teixeira.

Estimo saúde.

Há cerca de um mês recebi do meu amigo, doutor Noronha Santos, carta com a solução daquela em que João Barreto tivera a bondade de apresentar-lhe o manuscrito de um livro meu – Recordações do Escrivão Isaías Caminha – a fim de ser pela sua conhecida casa publicado. Dizia-me ele, entre outras coisas, que o senhor estava disposto a publicá-lo desde que eu nada quisesse pela edição. Avisava-me que a tal respeito eu devia receber uma carta sua; e, como temo que esse atraso seja devido a algum quiproquó, tomei a liberdade de lhe escrever esta, da qual é portador o meu amigo Francisco Bandeira, jornalista muito conhecido.

Ela tem por fim confirmar tudo o que o meu amigo Santos lhe tenha dito ou autorizado no tocando às condições da impressão do meu volume. Sabendo eu de que modo a fortuna de um primeiro livro é arriscada, nada exijo pela publicação do meu, a não ser alguns exemplares, cinqüenta, se o senhor achar razoável, para os oferecimentos de praxe.

Julgo-me, meu caro Senhor Teixeira, muito feliz por encontrar quem queira publicar-me, e com a publicação fico satisfeito.

Antecipando desde já os meus agradecimentos, fico aqui ao seu dispor e creia-me um seu
Ato Cdo Ador e Obdo
Afonso H. de Lima Barreto
Secretaria da Guerra ou na Rua Boa Vista, 14
Todos os Santos, Rio de Janeiro

*
Lima Barreto a A. M. Teixeira
11-7-09

Caro Senhor A. M. Teixeira.
Recebi os primeiros dezesseis do meu livro que o senhor teve a bondade de editar. Agradeço e também lhe peço que, em meu nome, apresente os meus agradecimentos à pessoa que foi encarregada de revê-lo. Estou francamente contente com a revisão, embora em certos pontos discorde um tanto.
(...)

Na página 53, eu teria deixado como está no original e muito menos teria trocado a frase – “de sensibilidade pronta a fatigar-se com o espetáculo familiar” – pela que lá está.

Na pág. 92, eu teria continuado a dizer: “o rolar dos veículos mais redondo e mais dissonante o ranger” etc. É uma impressão visual que se pode ter de um fenômero acústico – coisa legítima, como o senhor sabe.
(...)

No mais, só tenho que agradecer muito ao revisor, pois que os capítulos que recebi lhe saíram das mãos escoimados de muito desleixo de linguagem, além de ter recebido modificações felizes e inteligentes, que mostram o carinho e a simpatia com que foi tratado o meu despretensioso trabalho.

Queira, pois, Senhor Teixeira, apresentar os meus agradecimentos à pessoa que tão bem reviu a obra [o escritor português Albino Forjaz de Sampaio] e aqui fico ao seu dispor, para o que precisar deste seu humilde criado
Lima Barreto
Todos os Santos, Rio de Janeiro (Rua da Boa Vista, 76)

*
(...)
*
Lima Barreto a A. M. Teixeira
Em 28 de maio de 1910

Amigo Senhor Teixeira,
Levo ao seu conhecimento que aqui, no Rio, não há mais nenhum exemplar do Isaías. Isso acontece há perto de três meses. Eu mesmo já não tenho nem um exemplar para o meu uso. À vista da procura que o livro tem tido nesta cidade, eu lhe vinha pedir o favor de me informar se o mesmo tem acontecido nos outros lugares para onde o senhor o enviou.

Caso tal tenha acontecido, julgo que seria bom darmos uma segunda edição, correta, com um prefácio meu, em que eu me explicasse de certas increpações. Peço, portanto, a tal respeito o seu parecer, e espero que ele seja tal que contente a nós ambos.

No caso afirmativo e por não ter eu mais sequer um exemplar, como já lhe disse, seria grande favor o senhor mandar-me um, por onde as emendas fossem feitas. Irão em boa letra, pois terei o cuidade de servir-me de amigo que tenha caligrafia bem inteligível.
(...)

*

A. M. Teixeira a Lima Barreto

Lisboa, 18 de junho de 1910
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Lima Barreto
Rio de Janeiro.

Sumamente agradecidos pela carta de Vossa Excelência de 30 do mês findo e pelas notícias que nos dá do Isaías Caminha.

Não está esgotado e com bastante pena nossa o livro de Vossa Excelência. Depois da remessa de exemplares como novidade para diferentes pontos do Brasil, só a casa F[rancisco] Alves nos pediu cinqüenta exemplares há cerca de dois meses e outras livrarias daí, São Paulo e Bahia, número deles inferior a cinqüenta.

Cremos que muitíssimos exemplares se poderiam ter vendido se os livreiros daí o tivessem sempre à venda, mas como só fazem pedidos quando necessitam outras obras e estes em número tão limitado de exemplares, que não estranhamos que o livro se não encontre à venda. Vamos pois remediar esta falta enviando quantidade à livraria J. Ribeiro dos Santos, Rua de São José, com ordem para o anunciar, podendo Vossa Excelência conceder-nos o favor de – sem sacrifício de qualquer espécie – fazer constar pelos jornais que lhe sejam afeiçoados a chegada da nossa nova remessa de exemplares.
(...)

Com alta estima e muitos agradecimentos.
De Vossa Excelência
Mto Atos Adres Obdos
A. M. Teixeira & Cia.
(p. 173-179)

Lima Barreto, Correspondência, tomo I. Prefácio de Antônio Noronha Santos. S. Paulo: Brasiliense, 1956. Obras reunidas, org. sob a direção de Francisco de Assis Barbosa, vol. XVI.

A história editorial dos livros de Lima Barreto começou a ser esboçada por Bruno Dorigatti em seu trabalho de conclusão do curso de História, na UFF, em 2007. É um campo rico para o melhor conhecimento da vida literária e do desenvolvimento do campo editorial e livreiro do Brasil (e mesmo de Portugal), inclusive no sentido específico da profissionalização do escritor e da questão dos direitos autorais.

Fazemos este registro em homenagem ao aniversário de nascimento de um dos escritores brasileiros atualmente mais estudados e apreciados de nossa literatura. Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881.

Em tempo: Seu pai, João Henriques de Lima Barreto, tipógrafo, foi o tradutor do Manual do aprendiz compositor, do francês Jules Claye, publicado pela Imprensa Nacional, do Rio de Janeiro, em 1888.

Para saber mais:
BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto (1881-1922). 3a. ed., def. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964. Há várias outras edições.
BRAGANÇA, Aníbal. “A política editorial de Francisco Alves e a profissionalização do escritor no Brasil”, in Abreu, Márcia, org. Leitura, história e história da leitura. Campinas (SP): Mercado de Letras/Associação de Leitura do Brasil, 2000.
LAJOLO, Marisa e out.. O preço da leitura. Leis e números por detrás das letras. S. Paulo: Ática, 2001.

sábado, 10 de maio de 2008

Ler, escrever e contar, de Manoel de Andrade Figueiredo (1670-1735)


A imagem acima foi copiada do excelente livro de Rubens Borba de Moraes, Bibliografia Brasileira do Período Colonial, publicado pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP, com 437 páginas - apesar de tudo os autores nascidos no Brasil, mesmo com as conhecidas dificuldades, publicaram mais do que se pensa antes da implantação da Impressão Régia no Rio de Janeiro, em 1808 - no verbete que registra a obra de Manoel de Andrade Figueiredo, nascido no Espírito Santo, quando seu pai era governador da Capitania, que se tornou mestre-escola em Lisboa, onde viria a falecer.
O livro de Figueiredo, oferecido ao rei D. João V, tinha o título Nova Escola para aprender a Ler, Escrever e Contar, e foi impresso na Oficina de Bernardo da Costa Carvalho, na capital, presumivelmente no ano de 1722, com 156 p. de texto, mais 44 gravuras, sendo considerado o "o primeiro livro no gênero" que se publicou em Portugal.


Segundo Rubens Borba de Moraes, "a Nova Escola é, como indica o título, uma cartilha para aprender a ler, escrever e contar. O que torna o livro famoso e procurado até hoje é o estilo de caligrafia criado por Figueiredo representado nas numerosas pranchas gravadas que enfeitam e ilustram a obra". A frase no cimo da imagem diz "O exercício, e Louvor das Letras, que o mundo acclama tem na nobreza o melhor berço, a que ilustra a fama, por mais sagrado esplendor".

PS.: A edição do IEB-USP foi publicada em 1969, quando o historiador Sérgio Buarque de Holanda era o Chefe do Setor de Pesquisas do Instituto, e só foi possível como se afirma no intróito, graças à "doação de NCr$ 20.000,00 feita por Francisco (Chico) Buarque de Holanda". E não havia ainda Lei Rouanet! Viva Chico!

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Tarefa..., de Artur da Távola (3.1.1936-9.5.2008)

E há que escrever, mesmo quando o desalento impera. Escrever é escrever. Falei claro? Se por um lado a gente chia pela obrigação de um artigo diário, por outro lado o processo criativo de um escritor só se engrandece na medida em que ele escreve, contra o cansaço, a depressão, a falta de tempo, a alegria, a esperança. A palavra é esta mesma: contra. Não que o escritor seja contra essas coisas citadas. Não! Escrever é lutar contra todos os estados de espírito pelos quais cada pessoa passa, nesse feixe um tanto esquizofrenizante de escilações temperamentais, ou humorais de que somos constituídos, eternos mutantes do nada, ou seja, de nós próprios.

Escrever é passar por cima de inspirações. É atropelar vacilações, conviver com dúvidas, medos e coragens existenciais. É cavalgar o próprio tédio. É tripular a esperança e a alegria sua e a dos outros tanto quanto as tristezas e os desencantos.

E é escrever. Escrever. Afiar a forma. Desafiar as palavras, excitar-lhes as sutilezas e os mil significados, investigar-lhes as latências. É dar socos na falta de assunto. É aprender a calar, falando e a falar, calando. É enfrentar ditadores, detratores, diz tratores, ou mil elogios. É aceitar – cigarra – que cada edição do jornal só dura 24 horas e o artigo acaba forrando gaiola de melro de mulher bonita e só.

(...)

Escrever é um ato de amor feito tarefa. Compensar. Reparar. Exorcizar o baú de culpas. Vestir de novo a farda do ginásio. Olhar para dentro, implacável. Revolver infâncias e redescobrir adolescências espantadas. E envelhecer do meio para o fim do artigo para renascer no seguinte. É ser bebê chorão e ousar sabedorias de ancião.

Escrever. Escrevinhar. Expor uma tela por dia, sabendo que não entenderão a pressa da feitura, a ânsia do fim, a cor mal colocada.

In Mevitevendo. Crônicas. Rio de Janeiro: Salamandra, 1977, p.

A morte, rara leitora, parece vírus solto que basta um vacilo e ela nos surpreende. Fatal. Vai nos empobrecendo quando ceifa os amigos ou aqueles que, sem o ser, são presença estimada em nossa vida, como Artur da Távola (Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros).

Um belo escritor, um ser humano de grande amplitude, um cronista sensível, político digno (raridade!), um jornalista combativo e atualmente o responsável por nos fazer ouvir, com prazer, a Rádio Roquete Pinto. Estudioso e amante da obra musical dos grandes clássicos, da bossa nova, um divulgador de experiências de beleza. Sua obra ficará. Sua vida será lembrada por muito tempo. Assim como a crônica acima, cujo destino poderia ser forrar gaiola de passarinho, foi para o livro de imenso sucesso e está aqui, diante de mim, registrando minha tristeza e saudade.


PS: Ontem – Dora, querida amiga, me lembrou – completaram-se 9 anos que Geir Campos se encantou. Vamos relembrar, reler, raro leitor:

Tarefa

Morder o fruto amargo e não cuspir
mas avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder
mas avisar aos outros quanto é falso;
dizer também que são coisas mutáveis...
E quando em muitos a noção pulsar
– do amargo e injusto e falso por mudar –
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano.

In Antologia poética, org. por Israel Pedrosa. Rio de Janeiro: Leo Christiano, 2003, p. 89-90.

Saiba mais sobre Geir Campos e sua obra literária. Acesse:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Geir_campos

Antes de nos despedirmos, rara leitora, permitamo-nos alegria: hoje à noite Jourdan Amóra, jornalista atuante há décadas em Niterói, com uma bela trajetória de lutas pela cidade, alma e corpo de dois jornais, A Tribuna e Jornal de Icaraí, irá comemorar seus 70 anos. Viva!

terça-feira, 6 de maio de 2008

Visita de dirigente da Universidade de Versalhes à UFF




A professora Diana Cooper-Richet, vice-presidente de Relações Internacionais e Exteriores da Universidade de Versalhes
Saint-Quentin-en-Yvelines (UVSQ) www.uvsq.fr/ ,
visitará a UFF no dia 12 de maio, quando participará, às 14h30, na Sala dos Conselhos - Reitoria, Rua Miguel de Frias, 9, 3º andar, Icaraí, Niterói – RJ -, de reunião com dirigentes, professores, pesquisadores e alunos da Universidade Federal Fluminense (UFF),
para apresentar a UVSQ (em francês, com tradução seqüencial),
visando propiciar maior conhecimento recíproco das duas instituições ligadas
por convênio de cooperação e intercâmbio acadêmico.
A visita tem por objetivo também oferecer informações do desenvolvimento dos grupos de pesquisa da UFF e das potencialidades e interesses que têm dirigentes, professores, pesquisadores e alunos nesse intercâmbio, na elaboração de projetos conjuntos e parcerias,
a partir do convênio existente entre as duas instituições universitárias públicas,
do Brasil e da França.
O encontro é aberto a dirigentes, professores, pesquisadores e alunos da UFF interessados em intercâmbio e parcerias internacionais, especialmente com a França, nas áreas:
Ciências Humanas, Tecnológicas, Biomédicas, Sociais Aplicadas, Informática,
Comunicação, Direito, Saúde da Comunidade, Literatura, Cinema e Artes.
A coordenação do convênio é do professor Aníbal Bragança, do IACS, e o encontro é promovido pela Assessoria para Assuntos Internacionais http://www.aai.uff.br.

Outras informações pelo telefone (21) 2629-5227.
Informações em português sobre a UVSQ (da CampusFrance):
http://editions.campusfrance.org/etabs/par_fiche/po/univ_versailles_po.pdf
Fontes:
Texto:NUCS e IACS - UFF
www.uff.br
www.uff.br/iacs/
Fotografia:
Centre d'Histoire Culturelle des Sociétés Contemporaines – CHCSC/UVSQ
http://www.chcsc.uvsq.fr/centre.html

A arte de fazer livros

O design de livros não é um campo para aqueles que querem “inventar o estilo do dia” ou criar alguma coisa “nova”. No sentido estrito da palavra, não pode haver nada de “novo” na tipografia de livro. Embora amplamente esquecidos nos dias de hoje, têm sido desenvolvidos ao longo dos séculos métodos e regras que não são suscetíveis de qualquer melhora. Para produzir livros perfeitos, essas regras devem ser ressuscitadas e aplicadas.
Jan Tschichold


Todos gostamos dos antigos impressores. Eles faziam coisas tão bonitas antes de nós que não conseguimos deixar de voltar atrás e tentar introduzir um pouco de suas qualidades nas coisas que fazemos. Todos nós temos o nosso momento favorito na história da impressão e ninguém consegue fugir da tentação de fazer seus designs no estilo da época preferida. Mas, se temos de fazer o design de nossos livros – nossas edições comerciais de hoje – numa base funcional – se o texto é apresentado para ser lido agora, este ano, temos de pôr de lado esses amores antigos. Nosso design é contemporâneo. Não pode deixar de sê-lo. Não se pode copiar e repetir com sucesso nem mesmo a mais bela tipografia de outra época – porque não se viveu naquela época.
W. A. Dwiggins


Pode-se definir a tipografia como a arte de dispor corretamente materiais impressos de acordo com a finalidade específica de, ao dispor dessa maneira as letras, distribuir o espaço e controlar o tipo de forma a ajudar ao máximo o leitor a compreender o texto. A tipografia é um meio eficaz de chegar a um fim essencialmente utilitário e apenas acidentalmente estético, visto que o objetivo principal do leitor raramente é satisfazer-se com a norma. Por conseguinte, qualquer arranjo de material impresso que, qualquer que seja a intenção, produza o efeito de colocar-se entre o autor e o leitor está errada. Segue-se então que, na impressão de livros, que supostamente são para ser lidos, há pouco lugar para a tipografia “brilhante”. Mesmo a chatice e a monotonia são para o leitor defeitos muito menores na composição do que uma tipografia excêntrica e jocosa. Artifícios desse tipo são desejáveis, até mesmo essenciais, na tipografia de propaganda, seja comercial, política ou religiosa, porque em impressos como esses somente o mais moderno sobrevive à falta de atenção. No entanto, a tipografia de livros, além da categoria de edições muito limitadas, exige uma obediência à convenção que é quase absoluta – e com razão.
Stanley Morison

Está provado, um livro muito difícil de ler é inútil. Mas achar que a impressão deve servir apenas à função de legibilidade é o mesmo que dizer que a única função da roupa é cobrir a nudez, ou que o único uso da arquitetura é fornecer abrigo. Tais posturas são obviamente inaceitáveis, impossíveis de pôr em prática, e só podem causar a esterilidade e a morte... [Isso] nega nossa época particular e reconhece nossa pobreza de invenção e de espírito.
Marle Armitage


Estes e outros excertos preciosos para nossa reflexão sobre a arte de fazer livros foram reunidos por um brilhante editor, Plínio Martins Filho, no pequeno grande livro A arte invisível, publicado pela Ateliê Editorial, de S. Paulo, em 2003.
Saiba mais:
http://www.atelie.com.br/

sábado, 3 de maio de 2008

As quatro estações, haicais inéditos de Luís Antônio Pimentel

Triste, a rosa em pranto,
deixa pétalas de lágrimas
em torno da jarra.


Calor. Meio-dia.
Enrodilhadas nas árvores,
serpentes de sombra.


Um vento infantil
se distrai varrendo as folhas
de um velho jardim.


Os dias se encolhem.
As praias estão desertas.
As manhãs são tristes.


Para saber mais:

Sobre a poética do Japão, leia:

Luís Antônio Pimentel. “A poesia e suas demandas”, in Poesia Sempre, v. 17, ano 10, Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, dezembro de 2002, p. 11-19.

Leia também:

Luís Antônio Pimentel. Contos do velho Nipon – 12 dias com Leviana – Tankas e haicais. Prosa e poesia reunidas, org. de Aníbal Bragança. Niterói: Niterói Livros, 2004. Série Obras Reunidas, v. 2,

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Liberdade, de Fernando Pessoa

16/03/1935 (Falta uma citação de Sêneca)

Ai que prazer
Não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernando Pessoa, Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 122.

Hoje, rara leitora, Dia do Trabalho, com toda sua carga de ideologia – já sem os ritos próprios ou mesmo, quando os há, sem a força que tiveram – serviu e continua a servir a explorados e exploradores – o que infelizmente ainda os há – neste tempo que não é mais moderno, mas tem ainda muitas de suas características, sobreviventes, lembramos de oferecer a você o poema do grande Fernando Pessoa (Lisboa, 13/6/1888-Lisboa, 30/11/1935), cujo trabalho criador, a escritura, quase não foi conhecido em seu tempo – estava para além daquele tempo! – e que hoje continua a ser de uma esplêndida atualidade, com a riqueza de sua complexidade e contradições, como é a vida que vivemos. Assim, em vez da Necessidade, celebremos, como Sêneca que inspirou Fernando Pessoa, que nos inspira, a Liberdade!