sábado, 13 de outubro de 2007

Livrarias como espaços de sociabilidades intelectuais, Aníbal Bragança

No Brasil, onde a tipografia chegou tardiamente e com muitos controles na circulação dos impressos, só no século XIX foi possível criar-se um ambiente favorável às discussões públicas. Após a Independência foram-se ampliando as possibilidades de desenvolvimento da indústria editorial e da imprensa expressar o pensamento múltiplo, e muitas vezes conflitante, da sociedade civil. Surgia, num país de poucos leitores, uma brecha para o fortalecimento da cultura letrada.

Segundo Ubiratan Machado, foram as primeiras gerações do romantismo que iniciaram “a tradição dos escritores se reunirem em livrarias”, que se transformaram, segundo ele, “quase em clubes de bate-papo literário”. Uma das primeiras a se destacar como local de encontro de escritores foi a Tipografia Dois de Dezembro, de Paula Brito, na antiga Praça da Constituição (hoje Tiradentes) em meados do século, onde se destacavam os nomes de Joaquim Manuel de Macedo, Teixeira e Souza, Laurindo Rabelo, Araújo Porto-Alegre, Manuel Antônio de Almeida, Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias e os então jovens Salvador de Mendonça, Casimiro de Abreu e Machado de Assis, que chegou a colaborar com Paula Brito em suas publicações. Lá se criou uma espécie de sociedade chamada Petalógica, cujos objetivos explícitos eram “tagarelar e fazer chiste”, mas que funcionava também como um de clube de auxílio mútuo.

A Garnier, quando inaugurou a loja na Rua do Ouvidor, em 1899, segundo Brito Broca, oferecendo a todos os convidados um volume de Machado de Assis, com a assinatura do autor, tornou-se o espaço privilegiado para os encontros da intelectualidade fluminense, já então tendo em Machado uma figura proeminente, ao lado de José Veríssimo, Silvio Romero, Joaquim Nabuco, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Mário de Alencar. O livreiro francês chegou a colocar poltronas na livraria para receber os escritores, jornalistas e artistas que a freqüentavam.

Outras livrarias que se destacaram nessa área, no Rio de Janeiro, foram a José Olympio, especialmente em sua sede da Rua do Ouvidor, 110, inaugurada em 1934, em frente ao prédio da Garnier. Lá despontavam José Lins do Rego, Francisco de Assis Barbosa, Octávio Tarquínio de Souza, Rachel de Queiroz, Marques Rebelo, Santa Rosa, Portinari, Gilberto Freire, Adalgisa Nery, Lúcio Cardoso e muitos outros, como nos conta o próprio Graciliano, em Linhas Tortas, e mais recentemente Lucila Soares, jornalista e neta de JO, no excelente Rua do Ouvidor, 110.

A Livraria São José, especialmente nos tempos áureos do “mercador de livros” Carlos Ribeiro, que se instalou por conta própria em 1940. A cronista Eneida, ao fazer o seu perfil, lista alguns de seus habituais freqüentadores, como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Josué Montelo, Herman Lima, Aurélio Buarque de Holanda dentre muitos outros. A moda das tardes de autógrafos se iniciou na São José na década de 1950.


Silvestre Mônaco trouxe a novidade para Niterói, começando seus lançamentos nas manhãs de domingo, na Livraria Ideal, da antiga Rua da Praia, hoje Visconde do Rio Branco, que levaram à criação do Grupo de Amigos do Livro, hoje Grupo Mônaco de Cultura, que congrega semanalmente muitos autores e leitores no chamado Calçadão da Cultura.

Outras livrarias em Niterói se notabilizariam como espaço de encontros entre autores e leitores, como a Encontro/Diálogo, a Casa da Filosofia, a Sapiens, a Pasárgada, a Gutenberg e a Ver-e-Dicto. Exemplos que destacam a antiga capital fluminense nas sociabilidades intelectuais ligadas à cultura do impresso.

Artigo publicado originalmente em O Prelo, Revista de Cultura da Imprensa Oficial do Rio de Janeiro. Niterói: ano V, nº 15, set/nov.2007, p. 21

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